O Presidente de Angola disse hoje que África “está cansada” da simples exploração dos seus recursos minerais e defendeu a industrialização do continente, convidando os investidores russos a olhar para as oportunidades em Angola. Na verdade, João Lourenço apenas se propõe trocar seis por meia dúzia, mantendo o “statu quo” que o MPLA mantém intacto há 44 anos. Poucos com milhões, milhões com pouco ou… nada.
João Lourenço, que discursou hoje na Cimeira Rússia-África, que decorre em Sochi, recordou “a solidariedade do povo russo” com os africanos no período das lutas de libertação contra as potências coloniais e sublinhou que este contributo pode ajudar a definir um modelo de cooperação que seja “mutuamente vantajoso” para África e para a Rússia.
Angola tem (há dezenas de anos) um plano para diversificar a economia e está a criar (há dezenas de anos) “um vasto espaço de negócios e condições seguras para acolher investimento estrangeiro”, afirmou o também chefe do executivo angolano, apontando áreas como o sector energético, o sector mineral, as telecomunicações, agricultura, a agro-indústria ou a indústria de equipamentos agrícolas.
“Os investidores russos têm toda a liberdade para fazer as melhores opções de acordo com o interesse de cada um, num leque de inúmeras e diferentes oportunidades”, assinalou, e bem, João Lourenço. Só faltou acrescentar que têm a liberdade que é negada aos autóctones.
João Lourenço diz que há hoje “uma nova visão” sobre África “que, cansada da simples exploração e exportação” dos recursos minerais em estado bruto, defende a industrialização do continente como condição “incontornável” para o desenvolvimento. Ou seja, no nosso caso, os investidores devem continuar a pensar, até porque é verdade, que o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA. Se assim for podem tomar conta da tasca.
“Defendemos nas nossas relações uma cooperação que nos ajude a dar esse salto qualitativo de países exportadores de matérias-primas para países exportadores de produtos manufacturados e industrializados”, vincou João Lourenço, dizendo no fim de contas o mesmo que disse durante 38 anos José Eduardo dos Santos.
O Presidente angolano falou ainda sobre a capacitação técnica dos jovens africanos, que representam o grosso da população do continente e são o “pilar estruturante” desta estratégia, destacando igualmente o papel da Rússia na formação de quadros angolanos. Formação de que resultou termos quadros que, na maioria dos casos, têm de se descalçar para contar até 12, que não sabem distinguir o corredor de fundo do fundo do corredor, que confundem a prima do mestre-de-obras com a obra-prima do Mestre.
Nesse sentido, apelou a que “continuem a contribuir” para esta formação nas “áreas do saber mais consentâneas com a necessidade de desenvolvimento económico e social” dos países africanos, sendo que no caso de Angola poderiam explicar aos peritos dos peritos do MPLA que plantar couves com a raiz para cima não resulta, que exonerar (ou viajar) rima com governar mas não é a mesma coisa.
João Lourenço é um dos chefes de Estado da África lusófona que participam na cimeira ao mais alto nível, a par dos seus homólogos de Moçambique, Filipe Nyusi, e Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, enquanto São Tomé e Príncipe se faz representar pela ministra dos Negócios Estrangeiros, Elsa Pinto.
Ontem, dia da abertura do encontro, em que participam cerca de 30 líderes africanos, o Presidente russo, Vladimir Putin, sinalizou a ambição crescente da Rússia no continente africano.
“Estamos a preparar e em vias de implementar projectos de investimento com participações russas na ordem dos milhares de milhões de dólares”, afirmou Vladimir Putin, numa entrevista divulgada pela agência de notícias estatal russa Tass.
Em 20 anos no poder, Vladimir Putin apenas fez três viagens à região da África subsaariana (só este ano João Lourenço já foi duas à Rússia), sempre com a África do Sul no centro de cada um dos roteiros, mas chegou a altura – diz – de demonstrar que os interesses africanos ocupam uma parte importante das preocupações do Kremlin.
João Lourenço viaja pela segunda vez este ano para a Rússia, mais uma vez com vários acordos previstos na agenda, entre os quais a formação de quadros e a implementação de uma indústria de fertilizantes em Angola.
Na quarta-feira, o ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação anunciou um acordo no domínio das telecomunicações que prevê o uso de tecnologias de automatização da gestão pública (governação electrónica), desenvolvimento da infra-estrutura das comunicações, tecnologias de informação e sistemas de segurança nas redes, bem como a formação de quadros na área das tecnologias de informação.
Embora João Lourenço tenha “mandado” não falar do assunto, Vladimir Putin mandou divulgar que iria analisar com o seu homólogo angolano o aprofundamento da “cooperação comercial e económica” entre os dois países, nomeadamente no domínio da extracção de diamantes, sector em que – como noutros – Moscovo continua a entrar com a experiência e Luanda com os diamantes. No fim, os russos ficam com os diamantes e os angolanos com a experiência.
“Um dos principais temas das conversações [entre os dois chefes de Estado] foi a cooperação comercial e económica. O volume de negócios bilateral [entre a Rússia e Angola] aumentou 42% nos últimos sete meses, atingindo 34,8 milhões de dólares”, indicou Yuri Ushakov, porta-voz de Putin, citado pela Tass.
Uma área importante da cooperação entre os dois países é a da indústria mineira, nomeadamente, a da exploração de jazidas de diamantes – a empresa russa Alrosa é co-fundadora da principal empresa angolana de extracção de diamantes, a Catoca – e Ushakov revelou que os dois países estão a desenvolver um “programa de cooperação no domínio da geologia e mineração até 2025”.
Folha 8 com Lusa